quinta-feira, 22 de abril de 2010

A bordo do Rui Barbosa - Chico Buarque & Vallandro Keting


A bordo do Rui Barbosa
O marinheiro João
Chamou seu colega Cartola
E pediu
Escreve pra mim uma linha
Que é pra Conceição
Tu é anarfa? disse o amigo
E sorriu com simpatia
Mas logo depois amoitou
Porque era anarfa também
Mas chamou Chiquinho
Que chamou Batista
Que chamou Geraldo
Que chamou Tião
Que decidiu
Tomou copo de coragem
Copo e meio
E foi pedir uma mãozinha
Para o capitão
Que apesar de ranzinza
É homem bem letrado
É homem de cultura
E de fina educação
Pois não
Assim fez o velhinho
Por acaso bem disposto
Bem humorado
Bem remoçado
Às custas de uma velhinha
Que deixara lá no cais
E João encabulado
Hesitou em ir dizendo
Abertamente assim
O que ia fechado
Bem guardadinho
No seu coração
Mas ditou...
E o capitão boa gente
Copiou com muito jeito
Num pedaço de papel
"Conceição...
No barraco Boa Vista
Chegou carta verde
Procurando "Conceição"
A mulata riu
E riu muito
Porque era a primeira vez
Mas logo amoitou
Conceição não sabia ler
Chamou a vizinha Bastiana
E pediu
"Qué dá uma olhada
Que eu tô sem ócros
Num xergo bem
"Bastiana também sofria da vista
Mas chamou Lurdinha
Que chamou Maria
Que chamou Marlene
Que chamou Yayá
Estavam todas sem óculos
Mas Emília conhecia
Uma tal de Benedita
Que fazia o seu serviço
Em casa de família
E tinha uma patroa
Que enxergava muito bem
Mesmo a olho nu
E não houve mais problemas
A patroa, boa gente
Além de fazer o favor
Achou graça e tirou cópia
Para mostrar às amigas
Leu pra Benedita
Que disse à Emília
Que disse à Yayá
Que disse à Marlene
Que disse à Maria
Que disse à Lurdinha
Que disse à Bastiana
Que disse sorrindo
À Conceição
O que restou do amor
O que restou da saudade
O que restou da promessa
O que restou do segredo de João
Conceição
Eu ti amo muito
Eu tenho muita sodade
E vorto assim que pudé
João

PS: Devemos parar de olhar para o Analfabeto como um fraco ou incapaz dependente da nossa caridade para que tenha acesso à educação, já que é um direito seu previsto da Constituição do Brasil. Não devemos "adotar um aluno” para ser alfabetizado por qualquer pessoa que se disponibiliza a esta tarefa em ato de generosidade como a mídia nos pede na televisão, mas devemos sim cobrar das nossas autoridades competentes professores e escolas especializadas que recebam esta parcela da sociedade como cidadãos em busca de instrução e conhecimento mesmo que tardio pois se ainda adultos não tiveram acesso a educação com certeza foi porque esta oportunidade não lhe foi apresentada ou, se foi, a luta pela sobrevivência ofuscou a sua vontade . Por E.S.L.M









6 comentários:

  1. o detalhe que não pode passar despercebido, tem que ser lembrado, é que o analfabeto, como qualquer outro cidadão, contribui com tributos e faz jus a atendimento público especializado, não devendo ser visto como um "coitado", é contribuinte e paga para a manutenção do Estado e tem sim o direito de ter políticas pública voltadas para ele.

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  2. Adorei seu comentario, concordo em número, gênero e grau. Infelizmente conheço pessoas que pensam que qualquer sujeito letrado pode alfabetizar, desvalorizando assim a classe dos profissionais da educação.

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  3. é indea mermo truta, ah parada é loka!

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  4. Não tenho formação (superior),mas dou aulas de alfabetização para um grupo de 11 pessoas como voluntária. Concordo que devemos cobrar das autoridades por um ensino qualificado a estas pessoas, porém, faço este trabalho não por que a mídia deu como ideia, e sim para ajudar, apreender, e passar um pouco do meu saber.

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  5. Não tenho formação (superior),mas dou aulas de alfabetização para um grupo de 11 pessoas como voluntária. Concordo que devemos cobrar das autoridades por um ensino qualificado a estas pessoas, porém, faço este trabalho não por que a mídia deu como ideia, e sim para ajudar, apreender, e passar um pouco do meu saber.

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